Diálogo entre Neemias Dinarte e José Manoel Sobrinho,
por uma rede social
Zé Manoel.
Que manhã feliz. Longe
de tudo, perto de todos, a família esperando para o almoço Matriarcal da
maioria e todos nós enclausurados naquela cela de tantas prisões e libertações
provocadas pela arte por nós abraçada; a arte do humano; a arte das vivencias,
das sutilezas e apre(e)ndências. Uma
respiração só, maturações evidenciadas.
Foi impossível não voltar na linha do tempo e revisitar nossa primeira
brincadeira: FUNDAJ, 23 anos atrás: um ator jovem, impetuoso, que mal
controlava sua fala e suas aftas (elas ainda aparecem, com menos frequência,
kkk!), um Píramo que me foi dado de presente pelo mestre Zé... O tempo passou e nos reencontramos, alguns de
outras danças, e outros comigo ensaiando os primeiros minuetes. Como foi bom olhar nos olhos de Ednaldo
Ribeiro, um dos meus inspiradores a “saltar para dentro da vida” encarnada no
tablado (‘em nome de um desejo cadengueano’...), caminhar com os outros de
várias letras, algumas em comum, nas celas, nos calabouços que libertarão
nossas mais profundas inquietações, nossos medos desconhecidos, nossas
possibilidades mais suscetíveis. Espaços, olhares, toques, respirações... Que disciplina temos hoje, quanto
aprendemos, uns com os outros e um com cada um. Viva nosso carcereiro, opressor de nossas sensibilidades, e propulsor de
nossas ‘extrabilidades’. Pode nos
corromper, Zé! O grito dos anjos caídos
é como uma “festa que aqui não termina, mas aqui principia”, “o fim dela não se
sabe bem ao certo onde vai dar”. Toquinho que nos toca e toque que tocará todos os “perdidos na noite
suja” que iremos inaugurar...
Evoé!!!
Em tempo: Pensei nos “C’s” que a partir de agora farão parte
de nosso vocabulário:
“C”, geometricamente é uma curva aberta, algo que não se
fecha, que depende de completude...
“C”, graficamente é outra curva aberta, que pede vogais, sons
que completem seu sentido, esbarrando em encontros consonantais que causam
estranhamento, dificuldade de entender gramaticalmente: secção, introspecção,
absorção...
“C”, caligraficamente lembra onda do mar, até que o sujeito
aprenda a escrever (criança!!!), e o mar, quanta liberdade
traz...
“C” de cárcere, de carência, de cuidado, de culpa, de
círculo, de círculo que não se fecha, de coito, de conluio, de contas a pagar e
a prestar, de chuço, de cangote, de coronhada, de cu, de caneco, de caralho, de
comido, de catarro, de caroço, de cão, de ‘carnegão’, de catinga, de cacete, de
cassetete...
“C’s” de Cidadão Contribuinte, de Cargo Comissionado, de Cargos
e Carreiras, de Currículo Cadastrado, de Coisa, de Cena e de Cunho Central, de
Cu Cagado...
“C”PF de ‘Cadastro de Pessoa Física’ e de ‘Cu Piscando Frouxo’...
“C” de comida, de comedido, de comunhão, de concórdia, de
circuito, de caleidoscópio, de cornucópia, de caracol, de carambola, ‘cadentestrela’,
de conversa, de coisaversa, de côncavo e convexo, de conexo, de conexão, de
conversa, de conversa ao celular, de celular, de chip, de cabo de fibra
ótica...
Ai, ai, tem muito mais coisas com a letra ‘C’, inclusive coisas... E como certa vez ouvi você dizer que teatro
é “coisas pra fazer”, vai aqui essa minha inspiração. Pode editar, inserir coisas e publicar aos
demais ‘aprisionados’, esmagados, espremidos e humilhados 24, que comigo somam
25, que somado dá sete, que é número de sete maravilhas mundanas, mas também
pode ser número de azar ou de sorte, são os dias em que Jeová concretizou sua
criação (concretizou e criação
também começam com “C”).
Bjs e muita sorte para nós, engaiolados nesse inútil e útil
canto e pranto pelos anjos caídos (caídos também tem “C” e anjos são
“C”riaturas...
Bjs, Zé! E obrigado por nos colocar nessa perigosa
aventura...
Neemias Dinarte, uma pessoa...
A Resposta:
Neemias
Já se vão alguns tempos de nosso
primeiro encontro, falo deste mais recente para iniciarmos os “C”aminhos desta
cena que pode nos levar ao nada ou ao tudo. Reli seu lindo texto e me detive diante
da minha não-resposta. Curiosamente hoje é domingo, igual ao nosso primeiro
encontro, e hoje ensaiamos na mesma sala por onde começamos e, hoje, você fez o
nosso processo caminhar mais forte com a sua sábia intervenção no proposto “Jogo
de Aproximação”. Foi lindo ver a sua sábia intervenção, coisa de quem bem sabe
o que quer da vida. Também me reencontro em você Neemias, na sua sabedoria e na
sua busca libertária e também nas incertezas e também nos medos e também nos
desejos. A sua juventude permanece, não tenha dúvidas, mas aqui mais vivida,
mais forte. Não se iluda, você agora é mais aceso porque a energia é menos
instável.
Só tem uma coisa que me incomoda
de imediato, o nosso tempo coronho que nos tem impedido de dizer mais sim, a
nossa falta de lucidez para dizer ao tempo que nós é que fazemos ele, porque na
verdade o tempo é nosso. E se assim o é, por que ele, o tempo manda tanto na
gente e nos afasta e nos empurra para a solidão restrita e besta? Digo isso
porque noto a nossa inabilidade em conter a sanha do tempo, vejo que o nosso
desejo da presença se torna ausência, contraditoriamente. Não, seguramente não
gosto da força restritiva do tempo que vejo na vida de todos nós mais maduros. Quando
eu era mais jovem queria a liberdade do trabalho e da renda e agora sinto
saudades da liberdade de outrora. E também vejo isso em você e nos outros
nossos amigos e colegas. Todos muito reprimidos pela urbis e pela moeda do
trabalho. Digo isso e repito, porque queria subverter essa lógica e ganhar mais
horas felizes no convívio entre nós. Digo isso como provocação e pelo desejo de
nos permitir mesas de bar, conversas abertas, bate-papos divertidos, ideias
jogadas ao vento, almoços alegres, rodas de conversa sem propósito, até da
cerveja em gole curto sinto falta e proponho.
Gosto tanto dos nossos encontros,
mesmo que de tempos em tempos, quase contraditórios para as necessidades do
feitio da cena. É muito bom reencontrar você Neemias, Otacílio, Bilé, Nildo,
Normando, Geraldo, Robson, Will, Hypólito, Nelson, Ednilson, Pedro, mas também
me é do coração poder estar, depois de tanto tempo, convivendo mais de perto
com David, Ednaldo, Eddie, Bruno e agora Beto Nery, poder contar com Marinho na sua presença
suave, poder observar a sábia intensidade juvenil de Marcílio e me dar o
direito de conviver com Samuel e João e de alguma maneira me sentir presente
nessa corporeidade tão diferente da minha. Estar com Flávio e Breno para além
do SESC é singular e necessário, estar com eles no teatro é um sonho. Poder
sentir Cláudio mais forte e feliz já me é uma paga. Para não ser diferente do
resto de minha vida mais recente, a presença de Carminha trás mais certezas e
mais afetos. Samuel, o Lira, não deve ter noção da carga que estou jogando
sobre ele. Muita coisa gravita em torno deste processo e o que mais me seduz é
a soma das diferenças. São muitas histórias somadas, na diferença, valores
dispersos e ao mesmo tempo convergentes, crenças, afetos, possibilidades.
Penso em cada um deste elenco e
desta equipe e assustado caio na real, mormente o peso de minha
responsabilidade. Estou criando muitas expectativas, provocando muitas
esperanças, gerando muitas energias e me sinto, por ora, no fio da navalha.
Caramba, estou atolado até o fundo do pote, não posso fracassar, joguei muito
alto nessa proposta, envolvi muita gente e estou cheio de dívidas, dívidas
essas que não terei nunca como pagar, dívidas de crença, todos acreditaram
nessa doideira e eu sou unicamente o responsável por isso e tenho que dar
certo. Mais desafio e menos receio, porém todas as dúvidas do mundo se acercam
de mim, agora.
Você fez referência ao “fim que
vira começo que vira(1)” ou “tudo o que nasce morre e tudo o que morre torna a
nascer(2)” e eu acrescento “a roda roda o corpo e o corpo roda a roda como um x
em círculo, roda que roda do seu fim ao seu princípio(3). “Solidão é ter muitos
amigos e não ter tempo para vê-los”(4) Pronto, é assim, a vida é assim,
arenóide, circundante, infiníntima, sempre um começo, nunca ré, nunca recomeço,
porque não se dá marcha a ré no tempo. Prefiro engatar, não é Breno?
Deixa eu te contar uma coisa:
estou escrevendo esse texto em fluxus, no escuro, nas asas da Jotude, ônibus,
indo de Recife a Garanhuns, noite do domingo iniciado com o nosso encontro.
Escreví no trecho entre Gravatá e Garanhuns. Nem ví o mundo passar.
Citações:
1 e 2 – Vladimir Capella
3 – Marcus Accioly
4 – Inspirado no poeta Miró da
Muribeca.
José Manoel Sobrinho, 2014
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